Senão o, pelo menos um dos mais esperados momentos da temporada da Casa da Música chegou ontem, terça-feira.
Com um programa inteiramente dedicado a Johannes Brahms, Sir John Eliot Gardiner, Viktoria Mullova e a Orquestre Revolutionnaire et Romantique mantiveram acesa a chama da arte absoluta, não fosse a intermitência da iluminação da Sala Suggia descambar numa apagão de duração mais prolongada.
A iniciar, a Abertura Trágica.
O que é vivo, é mais vivo ainda, sob a direcção de Gardiner. O que é forte, é forte, mas não é bruto. É vigoroso, mas elegante.
As linhas que habilmente se escondem por detrás das teias das muitas gravações são, com Gardiner, desveladas e expostas aos ouvidos do mais surdo dos ouvintes (e havia-os na Sala Suggia). Não há ali linha que passe despercebida nem instrumento que não se ouça.
O Concerto para violino de Brahms, que fez Viktoria Mullova pisar mais uma vez o grande palco da Casa da Música, sofreu alguns contratempos, que em pouco atrapalharam a partilha de uma leitura única sobre a obra.
A iluminação do palco foi abaixo, pelo menos duas vezes (não estive muito atenta a esse pormenor). As cordas traiçoeiras do violino de Mullova desafinaram-se quase escandalosamente, havendo momentos em que a correcção da afinação se mostrou impossível mesmo para a extraordinária mão esquerda da violinista. E se momentos houve em que não era de todo possível ultrapassar o obstáculo da (des)afinação, é desconcertante a forma como noutros esse mesmo problema se tornou imperceptível, tal a mestria desse "bicho de concerto" que é a violinista russa.
Também Mullova prima pelas interpretações sóbrias, expressivas e elegantes. Deliciosas são as finíssimas e subtis nuances de tactus com que aumenta a densidade dramática, prendendo espantosamente a atenção ao mesmo tempo que alimenta uma levíssima ansiedade.
A dupla Gardiner / Mullova (com esta extraordinária orquestra) faz o tempo de um concerto oscilar entre a quase incontrolável vontade de dançar e a paralisia do espanto que provoca, quer pela beleza, quer pela exibição de perspectivas que, após inúmeras audições, nos parecem inauditas.
Talvez melhor ainda do que o Concerto para violino (ultrapassados alguns dos contratempos que parecem ter feito Gardiner ameaçar interromper o concerto), a longa Sinfonia nº 1 pôs-nos perante o mesmo maestro que há dois anos (ou próximo disso) deliciou a Casa da Música com o
Sonho duma noite de Verão, de Mendelssohn. Uma interpretação para cinco estrelas! Só que desta vez, apesar dos muitos aplausos da sala, que estava praticamente cheia, não houve lugar a quaisquer números extra.
Haverá mais na próxima temporada?
Quando regressará a Mullova com as Partitas de Bach?