Prometeo - a tragédia da audição em Londres
Na conversa que tivemos com Nuria Schönberg Nono (e que será publicada no site da AnT brevemente), fomos alertados para o facto desta apresentação não ser apenas “mais uma” interpretação de Prometeo mas, pelo contrário, ser um importante passo na revitalização da obra. Pela primeira vez em mais de duas décadas, os músicos são todos diferentes (à excecpção da realização electrónica que continua a cargo de André Richard e do seu Experimental Studio de Friburgo) em relação aos que estrearam a obra em 1984 (apesar dos instrumentistas terem mudado frequentemente, o coro e os solistas foram-se mantendo sensivelmente os mesmos - Freiburg Solisten Choir, agora substituídos pelos Synergy Vocals). Ainda mais importante, metade destes músicos eram estudantes da Royal Academy of Music o que tornava esta interpretação um importante acontecimento.
A obra foi estreada em 1984 na Igreja de S. Lorenzo, em Veneza, sendo depois revista em 1985, e há quem a considere a mais importante obra de Nono. Tratando-se de um compositor Veneziano, uma das suas principais características é a espacialização e descentralização do lugar dos músicos, neste caso dispersos por toda a sala e não apenas no palco (tal como Monteverdi fazia na igreja de S. Marcos). H. Lachenmann descreveu a obra como um “gigante madrigal” e, de facto, as semelhanças são muitas – por exemplo, os quatro grupos orquestrais que formam um rectângulo no perímetro da sala têm todos a mesma formação que Monteverdi utilizava em S. Marcos, 7 cordas e 6 sopros, para além de que, durante a obra, são vários os momentos em que a sonoridade da obra se aproxima (com as devidas distâncias) de uma sonoridade algo Monteverdiana.
Uma interpretação de Prometeo não é algo que aconteça muito frequentemente e permitir que estudantes possam participar nessa experiência ao lado de profissionais de topo (como são os músicos da London Sinfonietta) é uma decisão louvável. Infelizmente algumas pessoas não perceberam a importância desta decisão e comentavam, antes do início do concerto, que usar estudantes é uma maneira fácil de poupar dinheiro. Não é mesmo disso que se trata. É uma maneira de manter viva a obra, de passar a vontade de fazer nova música aos mais novos, permitindo que grandes marcos da música do Sec. XX não sejam apenas tocados pelos já instituidos grupos de música contemporânea. Em suma, a apresentação de Prometeo no Royal Festival Hall foi um evento exemplar, com um resultado musical de elevado nível.
D.P.S.
5 Comentário(s):
At 14/5/08 14:01, luispena escreveu
Não deixa de ser um acontecimento importante, o facto de Prometeo ser estreado em Inglaterra 25 anos depois da sua estreia. Ainda mais porque, ao contrário de outras obras que podem ser ouvidas em CD, com as limitações normais que o CD tem, o Prometeo é uma daquelas obras em que a tecnologia não acompanha as ideias. Não há nenhuma versão em CD ou DVD que possa dar uma impressão mais ou menos realista da obra.
Eu tive a sorte de a poder ouvir em Lisboa durante o ciclo Nono nos extintos "Encontros de Música Contemporânea" da Gulbenkian. Poderemos especular, sem a Gulbenkian, quantos anos teríamos que esperar para a ouvir...
Abraços, Luis A. Pena
At 14/5/08 15:17, arte no tempo escreveu
O mais provável era que não chegássemos a ouvi-la, a não ser que algum benfeitor italiano se lembrasse de a patrocinar no centenário do nascimento do compositor (daqui a 16 anos).
Graças à Gulbenkian, nesses 19os Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea pudemos ouvir o "Prometeo" e várias outras obras de Nono (1995). ...Mas já antes, salvo o erro nos 8os EGMC, a Gulbenkian tinha dado algum destaque à obra do Nono (não no meu tempo, claro!).
...Mas não deixa de ser estranho que se tenha esperado 25 anos para estrear "Prometeo" em Londres! É que não estamos a falar de uma cidade qualquer! ...Em Londres há de tudo, mas nem sempre há o que é mais importante.
D.F.
At 15/5/08 11:14, João Pais escreveu
A técnica não está assim tão atrasada, o Prometeo está disponível em surround.
http://www.elusivedisc.com/prodinfo.asp?number=CLSAM20605
O mesmo está a ser feito para a obra tardia (e espacial) de Nono, de qualquer modo.
http://www.amazon.com/Frammento-Prometeo-Das-Atmende-Klarsein/dp/B0001DMWDY/ref=pd_sim_m_2
http://www.amazon.com/Luigi-Nono-Quando-stanno-morendo/dp/B0006B987O
At 15/5/08 11:44, arte no tempo escreveu
O que não deixará, mesmo assim, de estar muito longe da experiência de uma audição ao vivo, in loco. Creio que era isso que o Luís queria dizer e subscrevo inteiramente.
...Mas não deixa de ser muito positivo este esforço das editoras para investir em registos de formatos diferentes.
At 16/5/08 08:37, luispena escreveu
Sim. Quando usei a palavra "Tecnologia", não a usei como sinónimo de "técnica". A técnia está disponível há muito tempo. A tecnologia, essa tem a ver com o mercado. O caso do Kontakte de Stockausen é um caso exemplar, onde a tecnologia só chegou 30 anos depois. No caso do Nono, e apesar do 5.1 ou 7.1, também me parece evidente essa discrepância.
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